domingo, 2 de outubro de 2016

Capítulo 8 - Nunca viram os pensamentos que você guarda no seu cofre mental?


No dia seguinte tudo parecia correr normalmente se não fosse pelo fato de eu ainda não ter visto Joseph. Nem nos corredores, sala de aula ou refeitório, lugar nenhum. Trace me lançava olhares ameaçadores quando eu passava, mas jamais chegava a falar comigo realmente. Não queria dar satisfações a ele de qualquer jeito, mas queria muito dizer a Joseph que já estava bem pra cuidar das minhas notas sozinha, que seria muito melhor ele se afastar, pro seu próprio bem.
No fim do dia, Trace e seus idiotas a tira colo passaram por mim, rindo, esfregando as mãos como se tivessem conseguido um objetivo muito almejado. Me olharam e pararam, Trace aproximou-se, sorrindo, perto demais. Eu não tinha reação, apenas observava quieta. Ele cheirava a erva pura e seus olhos estavam tão vermelhos quanto alguém que não dorme há muito tempo.
- Linda... – ele tocou uma mecha solta do meu cabelo no rosto, descendo para a bochecha, mas eu desviei – Só minha.
- Você tá chapado.

Ele riu.
- Seu amiguinho não vai mais tirar você de mim. – disse e eu franzi o cenho, arregalando os olhos.
- O que fez com ele?
- Você não quer saber.

Meu peito inflou de raiva.
- Escuta aqui, idiota, chega perto do nerd outra vez e eu juro por cada osso meu que não vai sobrar nenhum em você. Não sou sua garota, não tenho nada a perder e te prometo que vou fazer da tua vida um inferno se mexer comigo. – o bundão não pareceu se intimidar, apenas me observou por um tempo e depois se afastou, levando suas moças consigo.

Andei rapidamente, procurando Joseph por todos os lados, mas só o encontrei do lado de fora da escola, sendo carregado por dois caras até uma limusine que foi embora depressa logo depois. Ele devia estar muito mal pra não conseguir andar sozinho o que me fez sentir pior.
- Coitado, valentões sempre pegam pesado. – uma garota apareceu ao meu lado. Ela viu minha expressão e continuou – Joe pode ser o riquinho desse colégio, mas ele nunca pede ajuda pros pais.
- Por que não?
- Vergonha. Imagino como é viver como ele, pressão de todos os lados pra ser sempre o melhor... Aí vem aqueles idiotas e transforam tudo em piada. Se os pais soubessem tudo iria piorar.
- Você é amiga dele há muito tempo?
- Meus pais conhecem os pais dele, só isso. – ela riu leve, dando de ombros – Eles querem que minha irmã se case com ele um dia, mas ela não quer. Disse que pode ganhar dinheiro com o próprio esforço. Admirável. Sou a Ellie.
- Hale. – apertei a mão dela.
- Hale? – ela repetiu – Então você é a garota que...
- Se meteu com drogas? Pois é.
- Não, eu quis dizer a garota por quem Joseph acabou de levar uma surra.
- Exatamente. Foi só um mal entendido e eu queria explicar isso, me desculpar, mas não sei onde ele mora, nem como falar com ele.
- Bem... Você pode aparecer hoje à noite pro baile da primavera.

Fiz uma careta. Eca!
- Tá brincando, né? Vai ter um baile? – ri sem humor.
- Nossa, você é muito desligada. Joseph vai nos ajudar com luz e som, ele é muito bom com essas coisas tecnológicas e depois que termina ele sempre fica no jardim, mas nunca leva parceira.
- Você quer ir com ele?
- Eu pensei que talvez você pudesse, e então pedir desculpas como acabou de dizer.
- Pode ser.

Como eu esperava, Joseph não mandou nenhum recado pela professora de que me daria aulas hoje, então eu resolvi ir à tal festa. Mas é claro que meus pais não facilitaram, Eddie tinha que me escoltar até a porta da escola. Não tinha nada considerado adequado pra usar naquela noite, nem me importava exatamente com isso, contudo, coloquei um dos vestidos de verão branco da Dallas jogados no fundo do armário, pus uma jaqueta jeans por cima e prendi o cabelo num rabo de cavalo. Quando meus pais, principalmente Dianna, me viram descer as escadas, seus queixos caíram na hora.
- Você tá igual a ela... – meu pai disse e, involuntariamente, eu sorri.

É, eu tinha que admitir, a ideia do baile até pareceu interessante quando cheguei lá, toda a decoração minuciosamente pensada pra fazer a noite ser inesquecível pra todo mundo. E talvez seria.
Eddie ficou me esperando do lado de fora. Me direcionei para o ginásio, onde a festa tava concentrada. 
Meu Deus, que vontade de vomitar. Retiro completamente o lance do interesse, aquilo tudo era demais pra mim. Olhei para cima, procurando um nerd tamanho avatar de olhos azuis e nada. Andei mais um pouco, então vi Ellie descer do “palco” do DJ e acenar sorrindo para mim.
- Hale, oi! – cumprimentou.
- Hey. – devolvi com o melhor sorriso que consegui.
- Você tá muito bonita.
- Obrigada, você também. Você por um acaso viu o Joe por aí?
- Ah, não, não. Ele deu apenas um suporte pro pessoal técnico que eu saiba, e depois saiu. Tudo antes de eu chegar.
- Droga! – não acredito que dei viagem perdida...
- Mas acho que ainda não foi embora. Joe sempre gosta de ir no jardim durante esses eventos, o pessoal diz que é por causa do grupo clássico tocando violino. – credo! – Você pode ir lá ver, se quiser.
- Tá, valeu.

O “jardim”, na verdade era a quadra de futebol, os estudantes decoravam nessa época do ano especialmente para eventos como esse. Colocavam banquinhos com mesa espalhados pela quadra, todos enfeitados, assim como a arquibancada. Postes, luminárias e a banda clássica no centro dava a tudo um ar mais tranquilo, talvez fosse por isso que Joseph gostava daqui, ele queria escapar, do mesmo jeito que eu ainda faço, fugindo pra ficar olhando a praia. Mas se ele estivesse, não seria o único ali, alguns casais, poucos, ficavam conversando ou namorando, e outros solitários observavam da arquibancada. Lá, entre eles, vi Joseph curvado, olhando direto pros músicos, mas sem ver nada realmente, perdido. Parecia carregar o mundo nas costas em silêncio.
Me aproximei calmamente, quando me viu ele franziu o cenho, sorrindo. Tentei não expressar muito o meu choque ao ver as feridas em seu rosto. Tinha um corte nos lábios, um dos olhos estava com a base roxa e a bochecha do lado oposto estava inchada e vermelha.
- A revoltada viciada em maconha veio pro baile? Quem é o sortudo? – eu ri, revirando os olhos e me sentei.
- Rá-rá. Vim falar com você, idiota. – ele ficou ainda mais confuso, então continuei – Queria te pedir desculpas pelo o que Trace e as vadias dele fizeram com você hoje.
- Se sente culpada por isso? Por quê?
- Não quero que se ferre por minha causa, nerd. – revirei os olhos.
- Ah, tá, e ficar aqui na área romântica do baile sozinha comigo e com seus amigos lá no salão é bem seguro.
- Não se preocupa com isso, Trace sabe muito bem do que sou capaz se ele for mexer com você outra vez.
- Ameaçou ele?
- Nada demais. – dei de ombros e o encarei – Vim dizer também outra coisa.
- O quê?
- Vou falar com a senhora Wesley pra você não ter que me dar mais aulas. – o sorriso dele sumiu – Já consigo me virar sozinha e eu não quero te meter em mais confusão.
- Você não me metia em confusão nenhuma, Hale. – ele respondeu serenamente.
- Não é o que esse olho roxo diz. – rebati – Olha, eu sou uma bagunça, tá legal? Todo mundo que se aproxima acaba machucado de alguma maneira, ou decepcionado. Só to tentando evitar que você entre na lista. Sou uma pessoa ruim, fiz coisas ruins. Posso sempre dizer que isso é culpa de todas as coisas que me aconteceram, mas eu sei que não são, eu escolhi ser desse jeito e o melhor pra você é ficar longe, me ouve enquanto to lúcida.

Ele riu e se aproximou, o rosto bem próximo do meu e o olhar fixo. Assustava-me a falta de vontade em recuar.
- Você não é uma pessoa ruim. Me defendeu do Trace, tá tentando ajudar e até se esforça pra entender os conteúdos que ensino. A não ser que esteja se esforçando muito pra esconder e, não sei porque, de mim, essa coisa toda de garota revoltada, que não liga, é só fachada. Você se importa, o suficiente pra vir aqui hoje me pedir desculpas por algo que nem foi você quem fez.
- Mas foi por minha causa.
- E daí? Não tenho medo de levar uma surra, isso não iria me afastar nenhum pouco de você.

Era o primeiro elogio de verdade em muito, muito tempo. Não sabia nem o que dizer ou pensar, os argumentos dele eram sólidos, mas mesmo assim eu não conseguia tomar aquilo como verdade, por que? Sou tão ferrada comigo mesma assim?
- Eu admiro você, Hale. – Joseph continuou e meus olhos perdidos retornaram pra ele, com medo do que minha expressão pudesse revelar involuntariamente naquele momento, mas sem ligar muito mais pra isso também – Não tem medo de dizer o que pensa, age do jeito que tiver vontade, faz o que tiver vontade e tá sempre tudo bem porque todos já esperavam isso.
- Não tá sempre tudo bem. Na maioria das vezes eu decepciono muito as pessoas ao meu redor. Você é quem tem tudo. É rico, inteligente, bonito e todo mundo parece gostar de verdade de você.

Joseph riu sem humor.
- Eles gostam da imagem que eu criei. Não me conhecem de verdade.
- Nunca viram os pensamentos que você guarda no seu cofre mental? – eu disse, baixinho, mas ele ouviu – Acredite em mim, sei bem como é isso.
- Mas, você é a primeira pessoa pra quem eu realmente quero revelar esses segredos. – seu polegar riscou minha bochecha suavemente e logo senti os lábios dele nos meus, devagar, apreciando, sem pressa. A primeira gota de felicidade em anos.


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2 comentários:

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 renata massa