- Filha? Tem visita pra você lá em baixo. – a voz de
Dianna soou através da porta.
- Não quero ver ninguém. – respondi, olhando vagamente a janela aberta à esquerda da minha cama, a velha paisagem nublada condizendo com o meu humor.
- São seus tios Jeremy e Loren. Eles querem te ver.
Logo uma animação tomou conta de mim. Loren e Jeremy
Stwart eram meus tios favoritos, eles sempre estavam viajando e quando
apareciam contavam várias histórias sobre as viagens. Eu e Dallas adorávamos.
Quando tudo aconteceu, eles foram os que souberem menos, devido à ausência, e
por isso foram os únicos além dos meus avós que ainda mantiveram contato com os
meus pais. Mas eu não os via já fazia anos...
Desci as escadas correndo, abraçando forte os dois.
Eles riram, devolvendo o gesto.
- Oi, sobrinha. – tio Jeremy disse primeiro.
- Nossa, como você tá linda. – tia Loren avaliou, me
olhando de cima a baixo quando nos afastamos, o que me fez sorrir.
- A senhora também, como sempre. –
devolvi, e era verdade. Com aquele ruivo poderoso e vivo e seus olhos verde
esmeralda, titia vencia qualquer uma no quesito beleza, sem nem fazer esforço.
- Vamos ficar na cidade só por mais algumas horas,
apenas.
- Poxa. – lamentei, minha frustração bem visível.
- É por isso que a gente resolveu sair pra comer pizza
e pensamos que quisesse vir conosco, ainda mais pra comemorar o dia de hoje.
- Ah, eu não... – tentei recusar, não queria sair de
casa, mas tia Loren foi mais rápida.
- Nem pense. Você vai. Não vamos deixar passar essa
oportunidade de ficar um pouco com nossa sobrinha favorita. Agora pegue seu casaco, nós
já vamos.
E nós fomos. Rimos, brincamos, eu até relaxei, Joe só
passou pela minha cabeça quando me dei conta que segurava vela algumas vezes
pra dois casais, mas tudo bem, o momento em si foi uma descontração e eu me
diverti. Ouvi as histórias de viagem pelo Canadá, Venezuela e Austrália.
Suspirei, como queria ser como eles.
- Hale, seus pais nos contaram que você está estudando
fotografia agora, é verdade? – tia Loren perguntou.
- É, sim. - sorri.
- E como tá indo?
- Incrível. – meu pai respondeu, erguendo o queixo,
orgulhoso – minha filha tem um grande talento.
- Sem querer ser grossa, Eddie, mas quero que ela me
responda isso.
- Bem, ah... – respirei fundo – É um jeito novo de ver
o mundo, com certeza. As coisas mais simples passam a ter certa beleza e me dá
felicidade perceber que posso registrar tudo isso tão facilmente. Sem contar a
possibilidade de modelagem do cenário, te incentiva a retratar coisas novas, é
inspirador. – sorri, lembrando. De verdade, fotografar me fazia muito feliz.
Titia avaliou minhas palavras como se estivesse
fazendo uma entrevista de emprego. Entrelaçou os dedos de suas mãos e sorriu,
satisfeita.
- Então ficaria muito feliz em ajudá-la a divulgar o
seu trabalho, querida. Tenho uma amiga em Londres que é um grande nome da
fotografia na Inglaterra, tenho certeza de que se eu pedir ela dá uma olhada
nas suas fotos por mim. Você aceita?
- Tá falando sério? – o esboço de um sorriso surgiu no meu rosto, com medo de acreditar, daí, nervosa, acreditar e acordar de um sonho muito bom. Mas mesmo assim, arrisquei – Claro que sim.
O sorriso dela aumentou.
- Ótimo. Dou meu e-mail e você me envia, ok? Será meu
presente.
- Muito obrigada, tia.
Sim, eu realmente estava animada. Tanto que mal
vi o tempo passar depois disso, não percebi o quão meus passos eram rápidos, e
que nem olhava pra onde deveria, ou meus pés saindo da calçada, até mesmo as
luzes dos faróis dos carros que andavam pela avenida.
Nos primeiros momentos os quais relembrei esse instante, condenei-me por não ter olhado para a maldita rua, ou ela ainda
estaria viva, e eu teria ido em seu lugar, como deveria ter sido. Mas depois,
apenas seu sorriso alegre, de paz invadia os meus pensamentos, ter a sensação
de que ela estava feliz quando tudo aconteceu me trazia paz também. Não pude
dizer o quanto a amava, e me arrependia por tudo, mas, pelo menos, quando o
carro veio e acertou minha mãe ao invés de mim, ela foi sabendo de tudo o que
eu sentia.
“Um
homem que fumava um cigarro, as pernas largadas no sofá, sorriu maliciosamente
quando viu Hale, de apenas 10 anos, aparecer na sala. Ele aparentava ter 30
anos a mais, além de obviamente se sentir bem à vontade dentro de sua casa.
Dianna chegou, pegando um pacote de suas mãos, correndo pra espalhar um pó
branco pela mesa da sala e inspirá-lo por um tubinho.
-
Mãe, quem é esse? – a pequenina perguntou, seus olhinhos azuis assustados –
Cadê o papai?
Dianna
inspirou profundamente, perdendo sua lucidez logo em seguida, mas claramente
adorava isso. Hale não entendia nada, mas esperou.
-
Esse é um amiguinho da mamãe, filhinha. E ele quer brincar com você.
-
E nós vamos brincar bastante. – o homem, que tinha uma voz rouca, concordou.
Ele foi em direção à menina, pronto para pegar com prazer seu pagamento pelo
pacote que trouxera.”
...
- Ela não está respondendo, os batimentos cardíacos
estão fracos e ela respira, mas não está consciente. – um dos médicos disse a
caminho do hospital, na ambulância.
Quando
chegamos, levaram Dianna na maca pra sala de cirurgia, iam realizar uma de
emergência. Tentei entrar, mas não me deixaram, então fiquei esmurrando a porta
até Eddie me puxar, apertando-me forte, os dois chorando copiosamente.
Horas
mais tarde, meu pai apertava firme os dedos contra as mãos, o olhar vago,
inchado, vermelho, vazio...
Meus
tios tentavam consolá-lo, mas parece que nem ouvia, sua cabeça em outro mundo.
Um médico saiu da sala finalmente e relatou que Dianna veio a óbito e tudo
pareceu rodar.
Meus
pés, como que em vontade própria, regressaram, se afastando dos meus parentes
que choravam desesperados. O meu rosto parecia paralisado, os olhos perdidos,
apenas lacrimejando e minha boca levemente aberta soprava uma brisa.
O
trio me olhou, percebendo que eu ia embora, e tentou me chamar, mas o som mal
foi registrado. Tudo o que pensava era que tinha perdido minha mãe sem ao menos
dizer adeus. Os pés me levaram pelos corredores do hospital, quase flutuando.
Pessoas tomando soro, esperando para serem atendidas nas salas de consulta ou
emergência, dois baleados, outros tossindo, ou vomitando. Nada chegava a atrair atenção,
eu só andava, pra Deus sabe onde.
Por
fim, parei ao ver, no fim de um dos corredores, o que estava procurando sem
saber. Lá estava, parado, ofegante, com o terno desgastado e suando, Joe me
olhava com tristeza, como se me esperasse. Não quis saber o que ele fazia ali,
o porquê do terno ou o motivo dos ofegos, só corri, como se ele fosse meu
último pedaço de luz no mundo. O abracei com tanta força o quanto conseguia e,
para o meu alívio, ele devolveu. Sentira mais saudade do que poderia dizer, seu
cheiro inebriante quase amenizou a dor. Fechei mais ainda os olhos quando ele
falou:
-
Feliz aniversário, pequena. Eu sinto muito.
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