“Hale, aconteceram algumas coisas e
vou ficar sem tempo a partir de agora pra ensinar você e Natan. Então vou
ensinar só dois dias da semana e terá que ser os dois juntos. Aula só amanhã.”
– Joseph
Foi essa a mensagem que recebi dele hoje pela manhã.
Dois dias depois do que aconteceu no baile da escola. Eu sei lá, é difícil não
pensar que tem alguma coisa errada, porque essa foi a primeira comunicação que
ele fez desde então, mesmo com os carinhos trocados naquela noite.
A gente conversou mais um pouco depois dos beijos,
daí ele me levou até em casa, fazendo questão de explicar tudo pro meu pai. Me
contou como sua mãe era severa, mas seu pai tinha um coração enorme e que ele o
admirava muito, por isso tentava ao máximo se parecer com ele. Contou como as
regras eram difíceis, que ele tinha um desejo imenso de ser professor um dia,
mas isso nunca seria aceito por seus pais, pois na visão deles somente médico
ou advogado eram profissões dignas. Me imaginei no lugar dele por uns instantes
e me vi em um inferno psicológico mental.
- Sinto muito. – eu disse – Mas quando se formar vai
poder sair de casa e tentar seguir a carreira que quer, não é?
- Acho que sim, -
ele deu de ombros – mas de qualquer jeito se fizer isso vai ser um longo
caminho até eles me perdoarem e eu não quero perde-los.
- Sei como é. Meu pai, Eddie, também é muito
precioso pra mim. Além de você, ele é o único que acredita que eu ainda tenho
salvação. – ri – E é a razão de eu ainda não ter me jogado da ponte. Posso
culpa-lo eternamente por não ter se separado de Dianna, mas isso só mostra
ainda mais como ele tem um coração nobre, capaz de perdoar, paciente e amoroso.
Não posso condená-lo por isso. - sabia
que estava omitindo a parte da culpa de Dianna, a qual era a grande razão por
tudo o que eu tinha feito, mas ainda não me sentia pronta pra falar sobre isso,
nem com ele. Joseph pareceu perceber isso e respeitou.
E após essa longa conversa nada mais foi dito, o
final de semana inteiro sem nenhum torpedo e quando acordo pela manhã tem isso
no meu telefone. Me pergunto se imaginei tudo, ou sonhei. Pareceu mesmo bom
demais pra ser verdade...
Meu pai percebeu minha expressão perdida durante o
café e resolveu perguntar:
- Hey, o que você tem?
- Nada, é que... To pensando nas provas finais, só
isso. Joe disse que vai ficar sem tempo e vai ensinar com menos frequência. Daí
pensei que talvez isso possa me afetar.
- Vai se sair bem, filha. A senhorita Wesley ligou e
disse que tá muito satisfeita com o seu desenvolvimento.
- Que bom. – respondi vagamente.
- Gosto desse rapaz, o Joseph. – Dianna interveio,
trazendo mais panquecas – Bonito, inteligente.
- Claro que gosta.
- Ele te chamou pra sair?
Eu ergui uma sobrancelha, olhando pra ela.
- Por que...?
- Ué, só perguntei. – ela deu de ombros, voltando
pro fogão – Ele parece gostar muito de você.
- É, ele é incrível. Tem me ajudado demais. Pai, vai
me levar hoje?
- Claro.
No caminho pra escola eu percebi como tinha sido
calma durante o café. Talvez porque simplesmente não via mais necessidade
nenhuma de causar outra briga em casa. Sei lá... Queria ficar só, no meu canto
de agora em diante, aquela vingançazinha diária só tava me desgastando e só
agora me dou conta disso.
Mandei um bilhetinho na aula para Joe, mas ele nem
sequer olhou para trás, apenas escondeu o papel dentro do caderno. Teríamos
aula naquela tarde, então ele ia me ouvir de qualquer jeito.
É, eu to com raiva.
Coloquei minha caderneta em cima da mesa. Natan já
estava na biblioteca quando cheguei, o olhar inocente dele me fazia sorrir. Ele
desenhava macieiras no verso na capa do caderninho e parecia bem concentrado.
- Você gosta de maçãs? – perguntei, tentando puxar
assunto. Ele balançou a cabeça, confirmando.
- Joe sempre leva maçãs pra mim quando a gente vai
lanchar junto. Ele até fez uma torta, uma vez.
- Vocês são amigos há muito tempo?
- Uns dois anos. – ele deu de ombros – Joe queria
estagiar em uma escola secundária daqui, mas os pais dele descobriram e ele foi
obrigado a largar. Só que ele viu eu sendo expulso de lá porque meus pais não
tinham dinheiro, então disse que a partir daquele dia ele mesmo me ensinaria.
Eu sorri.
- Nossa... Joe tem mesmo um grande coração.
- É, você tem sorte. – ele respondeu, sorrindo
também.
- Tenho?
- É, dá pra ver que ele gosta de você. De verdade.
- Hein? – minha cara era de confusão, mas tive que
fazer esforço pra segurar um sorriso feliz.
- Tudo bem, Natan, o que você tá dizendo? – Joe
interrompeu, chegando por trás, passou a mão na cabeça do menino, brincando e
se sentou também.
- Só que você gosta da Hale. – ele respondeu, rindo.
Eu tentei capturar seu olhar para constatar aquela afirmação, que, sem
perceber, queria muito que fosse verdadeira, mas ele apenas desviou o olhar,
parecendo até incomodado com a sugestão. Respirei fundo.
Quando a aula particular finalmente acabou, o pai de
Natan fora buscar o filho na biblioteca. Joseph não estava brincando quando
disse que eram carentes financeiramente. O homem se esforçava para parecer
limpo e bem cuidado, mas suas vestes estavam completamente desgastadas, com
buracos em muitas partes que ele parecia se envergonhar de maneira profunda ao
chegar perto do tutor de seu filho. O homem agradeceu pelas aulas, ato que
Joseph repreendeu, mas ele o fez mesmo assim, dizendo que estava ajudando seu
filho a ter um futuro melhor, o que ele sozinho não conseguiria dar e era
perceptível como estava quase chorando por isso. Eu também me toquei com a cena
e sorri constrangida quando ele me cumprimentou e foi embora.
- Você poderia ser considerado um anjo divino. –
brinquei.
- Não sou um anjo. – Joseph respondeu sério e eu
respirei fundo outra vez, lembrando que aquela era uma oportunidade.
- Escuta, qual é o seu problema? No baile você foi
uma pessoa e agora tá agindo completamente diferente, sem nem explicar porque
ou dar qualquer sinal. O que foi que eu te fiz? – ele bufou, revirando os olhos
e tentou ir embora, mas eu puxei seu braço – Não, volta aqui. Não tem o menor
direito de fazer isso, brincar comigo desse jeito.
- Eu nunca disse que gostava de você, Hale. Não te
fiz nenhuma promessa, não te devo nada.
Fiquei ali, parada, sentindo as palavras me
atingirem como verdadeiros tapas na cara. Reprimi os lábios, olhei o chão e dei
de ombros.
- É, tem razão. Não
deve mesmo. – pus as mãos dentro dos bolsos do casaco e saí dali querendo bater
em mim mesma por ser tão idiota.
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