Joseph narrando:
Vinte de Agosto.
Hoje era o aniversário de Hale. Ela não gostava de
comemorar, mas havia me dito em uma das vezes que saímos com Natan. Sentia
tanta falta dela que nem poderia expressar. Seu sorriso, sua voz,
seu olhar, seus beijos... Eu amava como ela sorria envergonhada quando eu a
encarava sem parar, em contrapartida também amava quando ela se aproximava,
atrevida e me roubada carinhos.
Hale me mostrou um mundo novo de possibilidades, eu
sempre estive sob as asas dos meus pais, acreditando que, não importava o que
eles fizessem, sempre era para o meu bem, mas ela me fez perceber que eu também
tinha as minhas próprias asas. Ela não fazia a menor ideia do quanto era
importante pra mim, do quanto eu queria proteger, cuidar dela e esse sentimento
às vezes mal se continha dentro do meu peito. Eu sabia sobre tudo o que acontecera em sua família, o vício de Dianna, a morte da filha mais velha e os abusos que Hale sofreu pra sustentar o vício da mãe. Dianna cometeu muitos, muitos erros e, mesmo que eu sentisse algo negativo por ela por isso, via em seus olhos que se arrependera, e isso era um presente, ao contrário de minha mãe que considerava completamente certo cada passo que dava.
Hoje seria o meu casamento com Elie. Ela era
incrível, de fato, mas não gostava dela dessa maneira e ela sabia disso, tanto
que concordou em não dizer nada para Hale quando assumi meu namoro, por
medo de magoá-la tanto quanto eu. E nenhum de nós dois queria que essa união
acontecesse, ela queria procurar seu amor sozinha e eu queria lutar pelo meu.
Até tentei cancelar o casamento depois que completei 18 finalmente, porém minha
mãe disse que se eu saísse de casa ela iria expor a família Dale para a cidade
inteira, e eu não podia arriscar estragar as coisas ainda mais.
Passei a mão por meus cabelos, ainda desgrenhados
depois do banho. Olhei-me no espelho. Lá estava, os olhos que Hale sempre disse
que adorava, carregados de medo. Medo por tudo o que me esperava, um casamento
que eu não queria, um emprego que desejava menos ainda, toda uma vida que não
era almejada por mim. Hale tinha razão, passaria o resto da vida agradando as
pessoas e jamais seria feliz. Tentaria todos os dias, em vão, me convencer que
isso seria para um bem maior, mas estaria me enganando.
- Joseph? – a voz do meu pai soou pelo quarto. Ele era
um homem forte, olhos iguais aos meus e uma postura diplomática. Saí do
banheiro, ainda sem colocar o paletó, secando o cabelo ainda mais em uma toalha.
- Oi, pai. – joguei a toalha em qualquer canto e
ajeitei rapidamente meu cabelo para um lado.
- Animado pro casamento? – perguntou, se posicionando
na minha frente.
- Eu preciso responder?
- Ué? Pensei que estaria mais contente que qualquer um, afinal, casará com quem ama e Elie parece ser uma garota ótima.
- E ela é, não foi isso que eu quis dizer. – respirei
fundo. Meu pai não sabia que o casamento era combinado. Na cabeça dele eu
realmente amava Elie e minha mãe pediu que eu sustentasse essa ilusão, temendo
que ele não concordasse no final. Eu só lamento que Hale tivesse visto uma das
encenações na praia. – Queria que as coisas estivessem melhores hoje, só isso.
O velho Paul tocou meu ombro.
- Filho, eu sei que esse tipo de compromisso pode
parecer bem assustador às vezes, mas acredite quando digo que é ótimo, quando
se ama de verdade.
- O senhor ainda ama a mamãe?
- Claro, por que faz essa pergunta? – a expressão dele
era confusa.
- É que eu sei como ela pode ser difícil às vezes.
- Bem, isso é verdade. Mas todo relacionamento tem
seus problemas pra enfrentar, o importante é ter força e sua mãe tem sido minha
força todos esses anos. Nos momentos mais difíceis ela esteve lá por mim, como
uma verdadeira base. Espero de todo o coração que a moça com quem você vai
se encontrar hoje no altar seja tão boa ou melhor pra você quanto sua mãe foi
pra mim.
Assenti, avaliando as palavras. É, talvez ele tenha
razão, Elie não era Hale, mas talvez seja uma boa companheira também.
Pus a o paletó enfim e acompanhei meu pai até o
primeiro carro que sairia. Minha mãe, avaliando tudo como sempre, observava as
coisas nos mínimos detalhes, dava para perceber que se estivesse de seu agrado
ela não diria uma palavra, mas caso contrário...
- Joseph, por que seu cabelo ainda está úmido?
- Me arrumei na pressa, não quis usar o secador.
- Está desajeitado.
- Ninguém vai notar, mãe.
- Não é assim que um futuro médico deve parecer. – ela
tentou mexer no meu cabelo, mas eu impedi suas mãos antes que o tocassem.
- Posso pelo menos ter autoridade sobre a droga do meu
cabelo?
Claro que minhas palavras a afugentaram, então ela se
recolheu, antes que meu pai, já incomodado, se alterasse com qualquer discussão.
Tudo tinha que ser perfeito e essa vantagem eu obtinha sobre ela pra manter o
mínimo da minha sanidade.
“-
Você disse que sabia fazer biscoitos. – Hale lembrou, pegando o açúcar que seu
amigo pedira. Os dois na cozinha era uma cena engraçada, ambos sujos até a
cabeça de farinha, apenas fingindo brigar, tentando segurar a vontade que
tinham de cair no chão e rir até a barriga doer.
-
E eu sei, só não lembro o que colocar agora.
-
Tá aqui o açúcar, idiota.
-
Mandona.
-
Ah, isso ela é. – o pai da moça concordou, observando da sala.
-
Cala a boca, Eddie. – ela respondeu. Seus pais assistiam tudo, torcendo
secretamente para que tudo acabasse em romance, ou pelo menos perto disso.
Estava claro que esse garoto fazia muito bem à filha deles, mesmo que ela
continuasse xingando e amaldiçoando, estava se comunicando, saindo do quarto,
fazendo algo além de brigar – Me dá isso aqui. – tomou a vasilha das mãos do
garoto e se pôs a misturar os ingredientes, mas, como se tivesse perdido o
controle sobre suas próprias mãos, a vasilha escorregou, esparramando todo o
material pelo chão – Porra!
-
Olha a boca, guria. – Joseph repreendeu.
-
À merda, você. – ela respondeu o que o fez rir sem nem perceber. Ela começou a
limpar tudo e novamente estava com outra vasilha nas mãos, pegando mais
ingredientes.
-
Vai tentar de novo?
-
Por que, vai desistir agora? Eu quero esses biscoitos. – de novo, ele riu com o
jeito firme dela. Joseph tirou um par de lentes de contato do bolso e foi à pia
lavar suas mãos para coloca-las nos olhos no lugar de seus óculos, afim de
evitar que sujassem, mas, mais ainda, para tentar impressionar a garota – O que
você tá fazendo? – ela quis saber.
-
Pensei que ficaria melhor com as lentes.
Ela
riu.
-
Deixa de ser idiota, fica do jeito que você quiser que tá bom.
Ela
era persistente e talvez só ele visse, mas também havia luz ali, uma luz
lutando para sair, no meio de toda uma escuridão que ele temia saber o que
causara. Tinha doçura na voz, mesmo que fosse só pra xingar. Ele ficou
observando-a misturar tudo como o vira fazer na última vez, atentamente. Sempre
fizera tudo para impressionar todo mundo, e agora essa garota só queria que ele
fosse ele mesmo, mal percebia que aquele sentimento de admiração crescia, se
tornando algo mais ali mesmo.
-
Vai ficar só olhando ou vai ajudar? – ela reclamou, despertando-o de seus
devaneios. Ele sorriu, indo em sua direção.”
Chegamos na igreja, fotógrafos já faziam o seu
trabalho, como se o acontecimento fosse a festa do Oscar, e eles me relembraram
Hale e o modo alegre que ela registrava tudo, dizendo que cada foto, mesmo que
saísse malfeita seria boa, pois era única. Era desse modo que eu mesmo via ela:
única.
Minha mãe ergueu o queixo, exibindo seu vestido bege,
assim como o homem forte que a conduzia pelo braço durante toda a entrada. O
casamento sairia no jornal local, com certeza. Fui atrás, com as mãos nos
bolsos, esperando que ninguém notasse meu nervosismo crescente.
Fiquei esperando no altar pelo o que pareceu uma
eternidade, a luz do dia sumia aos poucos, todos os convidados apreensivos,
aguardando a linda noiva que surgiu tempos depois, sorrindo tão nervosa
quanto eu. Os cabelos tinham um tom laranja, confundível com ruivo,
especialmente preso embaixo do véu branco, seu vestido era simples, porém longo
o buquê de rosas tremia em suas mãos, espalhando pétalas brancas por onde ela
passava.
Quando seu pai a entregou para mim eu beijei seu
rosto, tentando dar meu melhor sorriso. Ela compartilhou comigo os pensamentos
de apreensão por apenas um olhar, o que me fez ficar um pouco mais tranquilo,
pois pelo menos isso tínhamos em comum.
O padre disse suas palavras, enquanto isso eu repassei
minha vida na cabeça, sem ao menos me esforçar para escutar. De repente, uma
agonia se instalou no meu peito, algo que não me permitia simplesmente aceitar
parado toda a situação, tinha que tomar as rédeas, fazer alguma coisa. Esse
sentimento se intensificou até eu acordar quando o padre perguntou se eu aceitava a
noiva e eu respondi:
- Não. – um coro de espanto se estendeu por toda a
igreja. Elie me encarou, os olhos brilhando – Não posso fazer isso, não é certo.
– minha quase esposa sorriu, parecendo querer chorar.
- Obrigada, muito obrigada. – ela disse.
- Seja feliz, Elie. Você merece.
- Sim. Você também! – ela me deu um beijo rápido na
bochecha, segurando a saia de seu vestido e correndo na direção da porta da
igreja onde Trace a recebeu, abraçando-a fortemente e a beijou logo depois.
Eles estavam se escondendo há tanto tempo, esperando o momento de assumir o
romance e agora poderiam. Sorri, satisfeito.
- Joseph, o que está fazendo?! – minha mãe se levantou
furiosa, sua voz estridente.
- Mãe, você é cruel e manipuladora, acha que por eu
ser seu filho minha vida lhe pertence, mas essa não é a verdade. Tenho direito
de fazer minhas próprias escolhas e já tá mais que na hora disso acontecer. –
olhei para o meu pai, que estava completamente assustado com tudo – Pai, eu
sinto muito. Não queria te enganar, mas eu nunca amei a Elie... Sua mulher
queria que eu me casasse pra duplicar a fortuna de vocês.
- Darlene, isso é verdade? – meu pai levantou-se
também, perplexo. Sua estatura e a fúria nos olhos ajudou bastante a formar a
pose intimidadora sobre a minha mãe que ele adotou naquele momento.
- Paul, eu juro que não sei do que ele está falando...
- Já chega, - interrompi – eu amo outra pessoa, mãe. E
ela está muito magoada comigo por sua causa.
A falsa inocência de seu olhar se dissipou quando ela
se voltou para mim novamente.
- E o que vai fazer? Ela é só uma rebelde sem causa,
que se droga nas horas livres, igual à mãe, que inclusive levou seu pai à
falência por isso.
- Darlene, eu não esperava nada perto disso de você,
tenho que admitir. – meu pai enrijeceu o maxilar – Mas acho que uma hora eu
veria a realidade...
- Paul, por favor. Ela não serve pro nosso filho.
- Ah, claro, porque seus argumentos são muito válidos
agora. – essa ironia me exigiu esforço pra segurar uma risadinha.
- Joseph, se você for atrás dessa menina, eu cumprirei
cada palavra que prometi a vocês dois. Os pais dela terão de se mudar novamente
se quiserem reerguer-se depois que eu terminar. – parecia que ela nem ligava
mais que todos os convidados a ouvissem, tamanha era a raiva.
Um estalo soou em minha mente. É claro, ameaçou ela
também... Por isso Hale terminou comigo do nada e disse todas aquelas coisas. Vi os punhos do velho Paul
cerrarem firmes.
- Você não vai mover um dedo sequer contra essas
pessoas, Darlene, ou seu pior inimigo serei eu.
Sorri. Contudo, meu sorriso não durou muito, Elie
voltou correndo com um celular na mão.
- Joe, eu acabei de receber uma mensagem, a mãe da
Hale está no hospital. Foi atropelada e corre sério risco de vida!
Meu coração estancou, olhei para todos ao redor, como
se procurasse um comando, qualquer coisa, até que meu pai falou:
- Corre, filho, vá o mais rápido que puder.
E foi o que eu fiz, Elie mandou por mensagem o nome do
hospital em que Hale provavelmente estava com a mãe e eu peguei o carro, sem me
importar com os fotógrafos, cantando pneu até chegar no grande prédio. Corri
por todos os lados, sem passar pela minha cabeça perguntar a alguém onde ela
estava. Já tinha até anoitecido, muito tempo depois, quando me deparei com uma
garota de olhos inchados, lábios entreabertos e o olhar cansado. Ela correu até
mim, como se estivesse me esperando todo aquele tempo e eu a recebi num abraço
apertado. Saudade...
- Feliz aniversário, pequena. Eu sinto muito.
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