sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Capítulo 17 - Um dia você vai abrir seu coração, e não vai pra fazer ninguém feliz



Joseph narrando:

Vinte de Agosto.

Hoje era o aniversário de Hale. Ela não gostava de comemorar, mas havia me dito em uma das vezes que saímos com Natan. Sentia tanta falta dela que nem poderia expressar. Seu sorriso, sua voz, seu olhar, seus beijos... Eu amava como ela sorria envergonhada quando eu a encarava sem parar, em contrapartida também amava quando ela se aproximava, atrevida e me roubada carinhos.
Hale me mostrou um mundo novo de possibilidades, eu sempre estive sob as asas dos meus pais, acreditando que, não importava o que eles fizessem, sempre era para o meu bem, mas ela me fez perceber que eu também tinha as minhas próprias asas. Ela não fazia a menor ideia do quanto era importante pra mim, do quanto eu queria proteger, cuidar dela e esse sentimento às vezes mal se continha dentro do meu peito. Eu sabia sobre tudo o que acontecera em sua família, o vício de Dianna, a morte da filha mais velha e os abusos que Hale sofreu pra sustentar o vício da mãe. Dianna cometeu muitos, muitos erros e, mesmo que eu sentisse algo negativo por ela por isso, via em seus olhos que se arrependera, e isso era um presente, ao contrário de minha mãe que considerava completamente certo cada passo que dava.
Hoje seria o meu casamento com Elie. Ela era incrível, de fato, mas não gostava dela dessa maneira e ela sabia disso, tanto que concordou em não dizer nada para Hale quando assumi meu namoro, por medo de magoá-la tanto quanto eu. E nenhum de nós dois queria que essa união acontecesse, ela queria procurar seu amor sozinha e eu queria lutar pelo meu. Até tentei cancelar o casamento depois que completei 18 finalmente, porém minha mãe disse que se eu saísse de casa ela iria expor a família Dale para a cidade inteira, e eu não podia arriscar estragar as coisas ainda mais.
Passei a mão por meus cabelos, ainda desgrenhados depois do banho. Olhei-me no espelho. Lá estava, os olhos que Hale sempre disse que adorava, carregados de medo. Medo por tudo o que me esperava, um casamento que eu não queria, um emprego que desejava menos ainda, toda uma vida que não era almejada por mim. Hale tinha razão, passaria o resto da vida agradando as pessoas e jamais seria feliz. Tentaria todos os dias, em vão, me convencer que isso seria para um bem maior, mas estaria me enganando.
- Joseph? – a voz do meu pai soou pelo quarto. Ele era um homem forte, olhos iguais aos meus e uma postura diplomática. Saí do banheiro, ainda sem colocar o paletó, secando o cabelo ainda mais em uma toalha.
- Oi, pai. – joguei a toalha em qualquer canto e ajeitei rapidamente meu cabelo para um lado.
- Animado pro casamento? – perguntou, se posicionando na minha frente.
- Eu preciso responder?
- Ué? Pensei que estaria mais contente que qualquer um, afinal, casará com quem ama e Elie parece ser uma garota ótima.
- E ela é, não foi isso que eu quis dizer. – respirei fundo. Meu pai não sabia que o casamento era combinado. Na cabeça dele eu realmente amava Elie e minha mãe pediu que eu sustentasse essa ilusão, temendo que ele não concordasse no final. Eu só lamento que Hale tivesse visto uma das encenações na praia. – Queria que as coisas estivessem melhores hoje, só isso.

O velho Paul tocou meu ombro.
- Filho, eu sei que esse tipo de compromisso pode parecer bem assustador às vezes, mas acredite quando digo que é ótimo, quando se ama de verdade.
- O senhor ainda ama a mamãe?
- Claro, por que faz essa pergunta? – a expressão dele era confusa.
- É que eu sei como ela pode ser difícil às vezes.
- Bem, isso é verdade. Mas todo relacionamento tem seus problemas pra enfrentar, o importante é ter força e sua mãe tem sido minha força todos esses anos. Nos momentos mais difíceis ela esteve lá por mim, como uma verdadeira base. Espero de todo o coração que a moça com quem você vai se encontrar hoje no altar seja tão boa ou melhor pra você quanto sua mãe foi pra mim.

Assenti, avaliando as palavras. É, talvez ele tenha razão, Elie não era Hale, mas talvez seja uma boa companheira também.
Pus a o paletó enfim e acompanhei meu pai até o primeiro carro que sairia. Minha mãe, avaliando tudo como sempre, observava as coisas nos mínimos detalhes, dava para perceber que se estivesse de seu agrado ela não diria uma palavra, mas caso contrário...
- Joseph, por que seu cabelo ainda está úmido?
- Me arrumei na pressa, não quis usar o secador.
- Está desajeitado.
- Ninguém vai notar, mãe.
- Não é assim que um futuro médico deve parecer. – ela tentou mexer no meu cabelo, mas eu impedi suas mãos antes que o tocassem.
- Posso pelo menos ter autoridade sobre a droga do meu cabelo?

Claro que minhas palavras a afugentaram, então ela se recolheu, antes que meu pai, já incomodado, se alterasse com qualquer discussão. Tudo tinha que ser perfeito e essa vantagem eu obtinha sobre ela pra manter o mínimo da minha sanidade.

“- Você disse que sabia fazer biscoitos. – Hale lembrou, pegando o açúcar que seu amigo pedira. Os dois na cozinha era uma cena engraçada, ambos sujos até a cabeça de farinha, apenas fingindo brigar, tentando segurar a vontade que tinham de cair no chão e rir até a barriga doer.
- E eu sei, só não lembro o que colocar agora.
- Tá aqui o açúcar, idiota.
- Mandona.
- Ah, isso ela é. – o pai da moça concordou, observando da sala.
- Cala a boca, Eddie. – ela respondeu. Seus pais assistiam tudo, torcendo secretamente para que tudo acabasse em romance, ou pelo menos perto disso. Estava claro que esse garoto fazia muito bem à filha deles, mesmo que ela continuasse xingando e amaldiçoando, estava se comunicando, saindo do quarto, fazendo algo além de brigar – Me dá isso aqui. – tomou a vasilha das mãos do garoto e se pôs a misturar os ingredientes, mas, como se tivesse perdido o controle sobre suas próprias mãos, a vasilha escorregou, esparramando todo o material pelo chão – Porra!
- Olha a boca, guria. – Joseph repreendeu.
- À merda, você. – ela respondeu o que o fez rir sem nem perceber. Ela começou a limpar tudo e novamente estava com outra vasilha nas mãos, pegando mais ingredientes.
- Vai tentar de novo?
- Por que, vai desistir agora? Eu quero esses biscoitos. – de novo, ele riu com o jeito firme dela. Joseph tirou um par de lentes de contato do bolso e foi à pia lavar suas mãos para coloca-las nos olhos no lugar de seus óculos, afim de evitar que sujassem, mas, mais ainda, para tentar impressionar a garota – O que você tá fazendo? – ela quis saber.
- Pensei que ficaria melhor com as lentes.

Ela riu.
- Deixa de ser idiota, fica do jeito que você quiser que tá bom.

Ela era persistente e talvez só ele visse, mas também havia luz ali, uma luz lutando para sair, no meio de toda uma escuridão que ele temia saber o que causara. Tinha doçura na voz, mesmo que fosse só pra xingar. Ele ficou observando-a misturar tudo como o vira fazer na última vez, atentamente. Sempre fizera tudo para impressionar todo mundo, e agora essa garota só queria que ele fosse ele mesmo, mal percebia que aquele sentimento de admiração crescia, se tornando algo mais ali mesmo.
- Vai ficar só olhando ou vai ajudar? – ela reclamou, despertando-o de seus devaneios. Ele sorriu, indo em sua direção.”

Chegamos na igreja, fotógrafos já faziam o seu trabalho, como se o acontecimento fosse a festa do Oscar, e eles me relembraram Hale e o modo alegre que ela registrava tudo, dizendo que cada foto, mesmo que saísse malfeita seria boa, pois era única. Era desse modo que eu mesmo via ela: única.
Minha mãe ergueu o queixo, exibindo seu vestido bege, assim como o homem forte que a conduzia pelo braço durante toda a entrada. O casamento sairia no jornal local, com certeza. Fui atrás, com as mãos nos bolsos, esperando que ninguém notasse meu nervosismo crescente.
Fiquei esperando no altar pelo o que pareceu uma eternidade, a luz do dia sumia aos poucos, todos os convidados apreensivos, aguardando a linda noiva que surgiu tempos depois, sorrindo tão nervosa quanto eu. Os cabelos tinham um tom laranja, confundível com ruivo, especialmente preso embaixo do véu branco, seu vestido era simples, porém longo o buquê de rosas tremia em suas mãos, espalhando pétalas brancas por onde ela passava.
Quando seu pai a entregou para mim eu beijei seu rosto, tentando dar meu melhor sorriso. Ela compartilhou comigo os pensamentos de apreensão por apenas um olhar, o que me fez ficar um pouco mais tranquilo, pois pelo menos isso tínhamos em comum.
O padre disse suas palavras, enquanto isso eu repassei minha vida na cabeça, sem ao menos me esforçar para escutar. De repente, uma agonia se instalou no meu peito, algo que não me permitia simplesmente aceitar parado toda a situação, tinha que tomar as rédeas, fazer alguma coisa. Esse sentimento se intensificou até eu acordar quando o padre perguntou se eu aceitava a noiva e eu respondi:
- Não. – um coro de espanto se estendeu por toda a igreja. Elie me encarou, os olhos brilhando – Não posso fazer isso, não é certo. – minha quase esposa sorriu, parecendo querer chorar.
- Obrigada, muito obrigada. – ela disse.
- Seja feliz, Elie. Você merece.
- Sim. Você também! – ela me deu um beijo rápido na bochecha, segurando a saia de seu vestido e correndo na direção da porta da igreja onde Trace a recebeu, abraçando-a fortemente e a beijou logo depois. Eles estavam se escondendo há tanto tempo, esperando o momento de assumir o romance e agora poderiam. Sorri, satisfeito.
- Joseph, o que está fazendo?! – minha mãe se levantou furiosa, sua voz estridente.
- Mãe, você é cruel e manipuladora, acha que por eu ser seu filho minha vida lhe pertence, mas essa não é a verdade. Tenho direito de fazer minhas próprias escolhas e já tá mais que na hora disso acontecer. – olhei para o meu pai, que estava completamente assustado com tudo – Pai, eu sinto muito. Não queria te enganar, mas eu nunca amei a Elie... Sua mulher queria que eu me casasse pra duplicar a fortuna de vocês.
- Darlene, isso é verdade? – meu pai levantou-se também, perplexo. Sua estatura e a fúria nos olhos ajudou bastante a formar a pose intimidadora sobre a minha mãe que ele adotou naquele momento.
- Paul, eu juro que não sei do que ele está falando...
- Já chega, - interrompi – eu amo outra pessoa, mãe. E ela está muito magoada comigo por sua causa.

A falsa inocência de seu olhar se dissipou quando ela se voltou para mim novamente.
- E o que vai fazer? Ela é só uma rebelde sem causa, que se droga nas horas livres, igual à mãe, que inclusive levou seu pai à falência por isso.
- Darlene, eu não esperava nada perto disso de você, tenho que admitir. – meu pai enrijeceu o maxilar – Mas acho que uma hora eu veria a realidade...
- Paul, por favor. Ela não serve pro nosso filho.
- Ah, claro, porque seus argumentos são muito válidos agora. – essa ironia me exigiu esforço pra segurar uma risadinha.
- Joseph, se você for atrás dessa menina, eu cumprirei cada palavra que prometi a vocês dois. Os pais dela terão de se mudar novamente se quiserem reerguer-se depois que eu terminar. – parecia que ela nem ligava mais que todos os convidados a ouvissem, tamanha era a raiva.

Um estalo soou em minha mente. É claro, ameaçou ela também... Por isso Hale terminou comigo do nada e disse todas aquelas coisas. Vi os punhos do velho Paul cerrarem firmes.
- Você não vai mover um dedo sequer contra essas pessoas, Darlene, ou seu pior inimigo serei eu.

Sorri. Contudo, meu sorriso não durou muito, Elie voltou correndo com um celular na mão.
- Joe, eu acabei de receber uma mensagem, a mãe da Hale está no hospital. Foi atropelada e corre sério risco de vida!

Meu coração estancou, olhei para todos ao redor, como se procurasse um comando, qualquer coisa, até que meu pai falou:
- Corre, filho, vá o mais rápido que puder.

E foi o que eu fiz, Elie mandou por mensagem o nome do hospital em que Hale provavelmente estava com a mãe e eu peguei o carro, sem me importar com os fotógrafos, cantando pneu até chegar no grande prédio. Corri por todos os lados, sem passar pela minha cabeça perguntar a alguém onde ela estava. Já tinha até anoitecido, muito tempo depois, quando me deparei com uma garota de olhos inchados, lábios entreabertos e o olhar cansado. Ela correu até mim, como se estivesse me esperando todo aquele tempo e eu a recebi num abraço apertado. Saudade...

- Feliz aniversário, pequena. Eu sinto muito.

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