quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Capítulo 19 - Certo por linhas tortas


Quando as nuvens cinzas se tornaram vermelhas no céu, eu não esperava que Joseph estivesse pensando em mim naquele momento, depois do ocorrido no hospital nós não nos falamos, o ato quase se assemelhava a um sexo casual, vulnerabilidade, a intimidade de dois corpos se juntando para nada mais ocorrer depois, sem qualquer ligação emocional. Isso não me surpreendia, nós dois agredimos os sentimentos um do outro, era óbvio que uma hora cansaríamos. Mas ainda doía.
Funguei, limpando os olhos pela milésima vez naquele dia e franzi o cenho quando ouvi baterem na porta. Levantei do sofá em que estava, poupando meu pai de sair de seu quarto. Ele não o faria de qualquer jeito.
- Oi. – Joseph cumprimentou quando abri a porta. Usava um casaco grande de frio, preto. Baforadas brancas saíam vagas de seus lábios, aquela noite estava particularmente fria.
- Oi. Quer entrar? – convidei. Ele aceitou – Então, como é que foi o casamento?

Não sei porque fiz essa pergunta, não queria saber de verdade, mas era a única coisa que me veio à mente. Joseph fez a mesma cara que eu faria se estivesse em seu lugar, sentando-se ao meu lado nas cadeiras do mini bar da cozinha, pois era mais distante do quarto de Eddie, evitando que ele nos escutasse. Meu ex tirou o casaco e o pôs num banco diferente, revelando seu traje comum do dia a dia. Tremi na presença daqueles músculos apertados contra a camisa quadriculada.
- Não aconteceu. – respondeu. Franzi o cenho – Eu cancelei o casamento, Hale. E vou me mudar em breve, meu pai vai me ajudar a alugar um apartamento na cidade. – vendo minha expressão surpresa ele continuou – É, eu sei. Você tinha razão, não posso passar o resto da vida à mercê da vontade dos outros, tenho que ter as rédeas da situação.
- Ual, bem... Parabéns, você merece. – foi tudo o que consegui dizer. O silêncio que se arrastou foi quase insuportável.
- Minha mãe confessou a chantagem que fez com você. – meus olhos se ergueram para ele quando ouvi isso – Não precisa pedir desculpas por nada, ela fez a mesma coisa comigo. Me sinto idiota por não ter considerado isso.
- Mesmo assim, sinto muito por todas as coisas que disse a você. Nunca quis te magoar.
- Eu também não. – ele segurou minha mão. Fechei os olhos sob o toque – Sei que não é o momento, mas eu queria vir esclarecer as coisas.

Assenti, retirei minha mão e me levantei do banco, pegando o copo vazio do balcão e enchendo de água gelada. Dei uma boa golada, respirando fundo.
- Eu e meu pai, nós... Vamos viajar para Dallas por uma semana. – virei-me para ele novamente, ainda segurando o copo gelado, apoiando o quadril na pia – Meus pais nasceram lá e meu pai disse que minha mãe gostaria de ser enterrada lá. Ligamos para a escola e o diretor disse que não haveria problema, se depois eu pegasse as atividades passadas com um dos alunos. A antiga fazenda dos meus avós fica no Texas. – dei de ombros – Tenho sangue caipira nas veias. – ri levemente, lembrando do jeito que meu pai me chama – Enfim... Quer ir com a gente? Pode ser bom pra gente ter tempo de esclarecer as coisas.

Um sorriso suave se formou em seu rosto.
- Claro.

Fazia muito tempo desde que eu vira o sol pela última vez. No meio de todo o tumulto familiar, até que o ambiente de Dallas fazia muito bem. Viajamos algumas horas de avião e mais um pedaço de carro, meus avós nos buscaram no aeroporto e nos levaram de caminhonete até o casarão da fazenda. Os pais do meu pai ainda eram vivos, porém só o pai da minha mãe ainda estava entre nós. Somente minha avó Genevive, mãe de Eddie e meu avô Léo, pai de Dianna nos receberam. O pai de Eddie, vovô Jimmy, ficara concertando um cortador de grama na fazenda, segundo vovó Genevive. Ela elogiou a mim e a Joseph por nossa aparência e saúde e, claro, por sermos um belo casal. Ninguém desmentiu.
Vovô Léo encarou torto o Joe durante toda o trajeto de gramado, sussurrando várias vezes no meu ouvido “o que esse almofadinha faz aqui?”. Apenas ri, adorava meu avô quase tanto quanto o meu pai, e ele estava disposto a me paparicar, quase me fez esquecer porque eu fora para lá, pra início de conversa.
No total, 9 pessoas moravam no velho casarão, incluindo vovô Léo e sua nova namorada, Peggy. Mas, mesmo assim, ainda haviam quartos para hospedar eu e meus meninos. Fiquei com o velho quarto de Dianna quando adolescente, Joe ficou em um dos quartos de hóspedes, ainda no mesmo corredor e Eddie instalou-se no andar de cima.
À noite todo mundo se reuniu na varanda da frente, não queria deixar Joseph só, então ele participou da conversa, mas durante todo o tempo ele não disse uma palavra, por educação.
Por mais que estivesse escuro e fosse um aspecto meio fúnebre, resolveram deixar apenas as luzes do interior da casa acesas, então os vaga lumes pareciam pisca-pisca verde de natal sobre a grama. Vovó percebeu meu fascínio no campo e disse:
- Não quer tirar uma foto disso, querida?

Sorri comigo mesma, fechando os olhos.
- Pai, contou mesmo pra todo mundo?
- Não pode me culpar por ter orgulho da minha filhinha. – balancei a cabeça, apertando sua mão.
- Já resolveram o problema do caixão? – vovô Léo relembrou o ponto da reunião.
- Comprei em Forks. Amanhã mesmo deve chegar aqui. – meu pai explicou.
- Ótimo, então amanhã organizamos o funeral.
- Pode deixar que eu cuido das flores. – vovó ofereceu, o azul de seus olhinhos nem poderia ser visto no escuro. Ela podava nos fundos da casa, quando criança eu amava ficar no meio de seu jardim, muitas cores, vários cheiros inebriantes.
- Alguém vem além da gente?
- Não. Dianna demorou muito tempo pra reconquistar as pessoas depois que se recuperou. – abracei meu pai de lado quando ele disse isso.
- Ninguém mandou se drogar como uma louca.
- Jimmy! – vovó repreendeu – Perdoem o meu marido, ele não se ouve falar às vezes.
- Estamos todos com você, Eddie. – vô Léo disse.
- Todos nós. – Alex, o capataz, concordou.
- Muito obrigado.


Pelo menos a grosseria do meu avô me fez perceber que, pelo menos, uma coisa boa a morte de Dianna trouxe: união. Ali estávamos nós, mesmo que fosse por educação, toda a família estava reunida novamente, compartilhando apoio, depois de anos afastados, de brigas e conflitos. Eddie preferiu sair da cidade, deixar o contato com a família de lado por um bom tempo somente pra não perder a mulher que amava. Agora todos se sensibilizavam com sua perda e estavam dispostos a ajudar. Meu sorriso ficou perdido no ar como meus pensamentos naquela noite.

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